black holes and revelations #003 | o pecado da preguiça e da falta de senso de humor
eu ainda superestimo o ser humano
Esta terceira edição tem muita falcatrua e um pouquinho de vadiagem. Eu estava com outra ideia na cabeça mas esta espancou a outra até a morte, acabei esquecendo e agora vamos com esta aqui mesmo. Boa leitura, se você não tiver preguiça de ler.
Para o papo de hoje teremos:
a preguiça de ler te torna burro
a falta de senso de humor te torna chato
como nos tornamos ratos de laboratório
ain Daniel, tá me chamando de burro e chato e quer que eu leia?
Primeiramente, não. Não estou obrigando você a ler, então pode ir se não gostou. Eu sou ácido, quem me lê, sabe. E aqui nesta newsletter eu sou 1000 vezes pior que no Linkediseny.
Segundo, sim, se você assumidamente tem preguiça de ler, você é burro.
ué? na lata?
Nós começamos a desenvolver habilidades na base da imitação. Assim as crianças começam a falar e exibir outros comportamentes. Depois que a gente cresce, muita coisa a gente aprende lendo, mas lendo mesmo. Não pegando um texto de 10 linhas saltadas por espaços entre cada frase.
ain mas tem que se adequar a hoje blablabla
Não “tem que” nada. A escrita é algo que se adequa mas não se anula. Não existe isso de que tudo que a gente vai escrever agora tem que ser em formato de reels ou com uma dancinha envolvida só porque o algoritmo quer comandar (falaremos disso mais a frente).
Agora que já fiz uma breve introdução do que penso sobre preguiça de ler, vamos ao que interessa: o compilado de posts satíricos que fiz esta semana no Linkedisney e fez muito espertinho e apressadinho passar vergonha.
Vamos ao primerio digno de nota. Post satirizando os influencers que falam mal do trabalho remoto, que supostamente destrói a cultura corporativa. Esse foi o primeior digno de nota. Tivemos várias barbaridades comentadas.
Eu claramente usei a mesma imagem que um influencer desses que gostam de cagar regra e vender imersão cara as custas de trouxa usou pra criar polêmica e claramente conseguir engajamento para sua postagem. Na versão original o cara, que o nome rima com “Estrago Seis”, basicamente expandia o texto da imagem e defecava outras asneiras pra conseguir like.
Mas veja bem, o meu texto, eu usei de vários pontos que claramente entregavam a sátira.
No ambiente de escritório, as pessoas aprendem a odiar umas as outras e fingirem que suportam, aprendem habilidades cênicas pra fingir sorriso quando quer bater em alguém.
Quando todos estão trabalhando remotamente, essas interações forçadas desaparecem, enfraquecendo as habilidades cênicas e de criação de personas por parte dos funcionários. Todo mundo sabe que teatro é cultura.
Meu senhor de qualque religião, esse já é o segundo parágrafo. Quem em sã consciência que quer passar um recado favorecendo o trabalho presencial vai dizer que aprende habilidade cênica pra fingir sorriso e não bater em alguém?
Teatro também é cultura. Será que nem aí ficou evidente que é uma piada?
Eu nem vou me prolongar nem vou trazer mais coisas sobre este post, só o comentário abaixo já ratifica o que eu venho tentanto dizer:
Pessoas, se você tem preguiça (ou supostamente não tem paciência) de ler textos mais longos e que constroem uma ideia aos poucos, você JAMAIS vai conseguir ler um livro de ficção ou realidade. Nenhum vai te entregar tudo na primeira página ou no primeiro cápitulo. E se fizer isso, pra que eu vou ler o resto?
Me ame ou me odeio, eu não ligo, vocês não pagam minhas contas, mas resumir leitura somente a
textos
escritos
assim
e dizer que isso é a melhor maneira de se comunicar ou então querer falar que livro é elitista e que a gente tem que se comunicar por reels, igual um pseudo deus de muitos no Linkedisney disse, você vai encontrar sérios problemas de comunicação e aprendizado.
Agora que já despertei sua atenção com minhas palavras ácidas, você pode estar concordando comigo ou já me odiando pela referência dos textos saltados ou do seu ídolo de rede social que eu ofendi gentilmente, vamos ao próximo texto que despertou muita atenção e desatenção dos leitores.
Quem me conhece, sabe muito bem que eu sou um cara que tem quase alergia a sabedoria coach-gratiluz-meritocrática. E esse tipo de coisa há muitos anos vem fazendo volume no conteúdo do Linkedisney. Entre outras coisas temos coachs e top voices arrombados falando que você tem que assumir que tudo que acontece na sua vida é responsabilidade sua, que você tem que parar de reclamar e você escolhe como essas coisas vão te afetar.
Desemprego, inflação, violência nas grandes cidades, políticos malucos e mal intencionados fazendo tudo por eles e nada por nós. Mas sim, é tudo culpa sua e você escolhe como reagir. Mas reclamar não é uma opção, viu? Mesmo quando é a única coisa que está ao seu alcance no momento.
Se você perdeu o emprego? Não reclame.
Foi assaltado e baleado? Fica na sua.
Foi despejado? Já sabe né…
O Craque Daniel, personagem fictício do Daniel Furlan, tem um livro paródia desses coachs chulés chamado “Você não merece ser feliz: Como conseguir mesmo assim” que eu tenho, já li, garanto que desperta boas risadas e no meio da ironia, acaba trazendo boas verdades sobre a vida.
E com esse tipo de linguagem, vem o segundo texto que, NÃO ACREDITO QUE TEVE GENTE QUE LEVOU A SÉRIO. Foi uma fanfic corporativa sobre um processo de seleção arrombado. Uma pessoa recrutadora contratando uma candidata pelo valor pedido por ela que foi abaixo do orçamento da vaga.
Esta peça literária teve um efeito inesperado, extrapolou até o linkedisney, com gente me xingando no Facebook e no Reddit. A galera com muita pressa de odiar, dizendo que me bateria, quebraria todos os meus dentes, me chamando de fdp pra baixo. A clássica valentia e discurso de ódio por trás da tela que tanto o internauta médio ama praticar.
Vamos a análise.
Na página da vaga na Poopy, a pergunta sobre pretensão salarial era eliminatória. Quem botou 4000 ou mais, foi automaticamente eliminado. Ninguém manda ser ganancioso.
Poopy foi o apelido carinhoso dado a nossa querida Gupy. Literalmente poopy é cocozinho em inglês.
ain Daniel, mas nem todo mundo é obrigado a saber inglês ou o que é Gupy
Concordo. Mas se você quer ter uma opinião sobre algo, você precisa saber o contexto, entender, até mesmo pra falar mal. Se você critica algo sem base, sua opinião vale o mesmo que um poopy.
O trabalho precisa ser ganha-ganha. Ganha a empresa, ganham os sócios.
Gente, por favor né? Quem em sã consciência ia escrever isso em público. Esse é o tipo de pensamento intrusivo corporativo que quem quer ferrar o trabalhador tem, mas nunca tem coragem de falar em público porque sabe que o massacre é certo.
No fim das contas, o que ficou pra mim é que as pessoas estão cada vez menos abertas ao humor e mais abertas ao ódio, ódio que muitas vezes elas plantam sem fundamento.
Eu recebi algumas críticas nessas postagens, mas teve uma delas dentre tantas que mais me marcou: que eu não deveria tratar assuntos sérios dessa maneira.
Primeiro, que eu trato o assunto do jeito que eu quiser, segundo que a gente já vive num mundo dodói, cheio de problemas que eu não tenho condições de resolver, meu jeito de lidar com as coisas é da forma mais bem humorada possível. Faço piada de tudo e até de mim mesmo. Mas tem gente que se incomoda e muito.
Craque Daniel manda uma frase no livro que eu acho maravilhosa:
A felicidade está, portanto, na simplificação, na existência banal, sem aspirações e expectativas, com um grau mínimo de surpresas e desilusões.
Eu costumo dizer que eu sou apenas um trapo que vive em uma bola flutuante em um universo infinito até onde podemos enxergar e que tem outras bolas flutuantes que podem nos desintegrar, além de buracos negros, nosso próprio sol etc.
Eu já tive um período da vida que fui super visceral, isso só me trouxe ansiedade. Hoje eu até opto pela alienação seletiva voluntária, escolhi não saber de certas coisas que acontecem no mundo que vão afetar zero a prática da minha vida mas só vão bagunçar minhas emoções.
E por isso sou irônico, sarcástico, ácido e não vou mudar. Já tenho 35 anos e sou pai, isso já me dá carteira oficial de velho rabujento inconveniente. Me identifico muito com o Deadpool, fala demais, mais do que devia, consegue ser inconveniente com todos, tem muita doideira na cabeça e mesmo assim ainda tem gente maluca o suficiente pra dar atenção.
E eu adoro ser assim. Porque mesmo quando estou só, eu me divirto vendo, pensando e analisando as coisas ao redor do meu jeito. Tem coisas que certamente eu não posso externar com todos, nem todo mundo tem estômago pra mim. Mas humor é isso. Mas uma coisa que eu não faço, desrespeitar grupos minorizados, humilhar pessoas que passam por situações ruins que não escolheram estar e desconsiderar diferenças culturais.
Mas eu não tenho respeito por arrombado. Pra mim isso é uma ofensa que define bem, ou você é arrombado ou não é. Reflita.
Então, no fim das contas estamos todos virando um monte de ratinhos sendo processados em uma experiência coletiva. Quem não se adequa ao discurso comum e quadrado, é tratado como dodói, não é compreendido ou apenas é odiado.
Tudo começou com a gente sendo ratinho de laboratório para a sociedade de consumo. Que a gente vive pra achar que vamos nos tornar plenos com posses e objetos. E funcionou MUITO bem.
Só você ver a quantidade de gente no Brasil que se endivida pra ter coisas que apenas dão status.
ain mas não vem com esse papo de que dinheiro não traz felicidade
Eu como bom filho de pobre sei que falta de dinheiro não deixa ninguém feliz. Mas viver pelo dinheiro e pelas posses vai adoecer você ou afastar você de relações verdadeiras. No fim das contas, o que você conquista pelo que você tem não tem lastro, porque o que você é nem sempre consegue sustentar.
E a experiência mais recente são nossas queridas redes sociais.
As pessoas cada vez mais escravas do feed. De estímulos constantes, buscando prazer rápido em coisas que muitas vezes são esquecidas em 24 horas. E cada vez mais isso se reflete naquilo que falei lá no começo, as pessoas não querem mais ler nada longo, querem se dopar com um conteúdo rápido, ir pro seguinte e repetir isso durante muito tempo até perceber que passou horas do dia apenas rolando feed e não fez nada de útil por si.
ain mas a vida já é tão cansativa, a gente só quer se divertir
Só buscar qualquer pesquisa, que essa doideira de ficar rodando feed vai aparecer como algo que estraga nossa cabeça e nossas emoções. Tem coisas melhores para se divertir. Tempo com a família e amigos, jogos, esportes, animais, ver o céu, sexo, sei lá, as larga essa tela aí meia horinha na moralzinha.
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Brasileiros que passam mais tempo nas redes sociais são os que têm ansiedade
É, gente. A gente tá se adoecendo voluntariamente. Não estou sendo hipócrita aqui. Eu mesmo já nem tenho mais muitas redes sociais, pouco tenho feed pra rolar, mas ainda gasto muito tempo no celular, muitas vezes lendo demais, me superestimulando com coisas que no fim do dia só me deixaram mais ansioso. E eu já tomo remédio pra isso.
Vamos tentar sair desse laboratório igual o rato Algernon antes que a gente comece a dar cabeçada na parede. Precisamos disso, vamos odiar menos, sofrer menos e ler mais.
antes de ir…
🎸 na edição passada falamos de músicas de adulto que meu filho gosta de escutar, deixo aqui duas recomendações que ele me fez escutar muito esta semana: Nina Simone e uma específica do Mika chamada “Grace Kelly”, que musiquinha gostosa…
📖 Desta edição deixo duas recomendações: Flores para Algernon e Você não merece ser feliz: Como conseguir mesmo assim
Recados finais:
#1 - Terceira edição e eu quase não faço por motivos de estou com preguiça, mas obrigado por continuarem aqui.
# 2 - Sim, eu sou desagradável e assumo.
#3 - Até a próxima, vou tentar lembrar qual era o assunto que eu queria falar, mas juro que era algo legal. Não desistam de mim.
A superexposição que todo mundo tem das redes sociais, de ficar rolando feed infinito como se não houvesse amanhã deixou uma geração inteira com "preguiça" de ler algo mais longo. Hoje tudo é mais rápido, mais intenso, mais imediato. Percebe como o que faz mais sucesso hoje é "reels", "shorts", tudo conteúdo de 30 segundos.
Eu já fui um leitor mais voraz e acredito que deixei de ser um pouco por justamente a gente cair nesse buraco negro que é rede social, mas tento ler livros que me agradam e que fujam um pouco do que eu li uma manhã / tarde inteira de estudo, mas ainda tenho a paciência e a calma de ler algo longo (sua newsletter inclusa, haha)
Parabéns pela newsletter ter chegado na terceira edição (90% das News do Substack sao interrompidas antes)! Esses dias eu li em algum lugar que para escrever uma página, você precisa pelo menos ter lido outras 11 (não me recordo a referência) e infelizmente, vivemos em uma sociedade que tem preguiça de ler. Logo, os posts das redes são extremamente vazios, cheios de clichês e de pontos que entregam a escrita via chatgpt. Em Alice no País das maravilhas, o coelho fala para Alice que “se você não sabe que lugar quer ir, então, qualquer caminho serve”. Eu digo o mesmo para esses leitores preguiçosos, se você não tem repertório nenhum, qualquer post mequetrefe para eu concordar ou criticar serve. Tem hora que só a alienação realmente salva!