black holes and revelations #001 | ninguém tá puro
Tá todo mundo dodói ou é impressão minha?
Este negócio inicialmente nasceu pra sair durante a semana. Mas se é pra ser eu mesmo, não faz sentido eu liberar estes devaneios em um dia que não sei se vou manter persona profissional ou mandar tudo pro inferno. Então sabadão vai ser o dia. Pegue sua cerveja, sua água com gás, seu vinho, seu café, seu chá de cogumelo ou qualquer coisa que você usa pra tentar fingir ser feliz e vem ficar dodói aqui comigo.
Hoje temos uma pauta bem interessante e diversa, porque eu não consigo falar de uma coisa só segurando tanta coisa na cabeça durante a semana.
homens tão adoecendo e eu posso provar
o desafio de guardar as opiniões
o definhamento das prioridades superficiais
Ser homem e a relação com a masculinidade é algo que tá em um turbilhão de mudanças a medida que os anos passam. Não to falando aqui de roupas, maquiagem e coisas estéticas, estou falando do que se passa na cabeça dos homens hoje em dia.
Nós desde criança somos criados para competir, para ser mais forte, ser mais rápido, ser seguro, ser corajoso, ser esperto, ser (ou tentar parecer) bonito, ter posses…
A lista é grande e vai longe. Precisaria de uma página só pra ela. E aqui vem aquela parte do storytelling que eu contextualizo com você pra gente criar aquela conexão leitor-autor.
Esta semana eu tenho observado o quanto é podre lidar com homem ao volante. A seta, que hoje é artigo de luxo no carro porque ninguém usa essa porcaria, serve pra você sinalizar uma mudança de direção ou faixa. Mas para o homem que vê você sinalizando, é um sinal de “eu não posso deixar esse cara passar na minha frente mesmo que seja pra gente ficar parado junto ali no sinal vermelho”. E por isso que eu raramente uso seta aqui por onde ando, é mais fácil trocar de faixa sem avisar. Mas vamos de números:
Em 2022, dos 3.361 condutores mortos em decorrência de acidentes no trânsito, 92,7% eram homens e 7,3% eram mulheres. No total de óbitos, incluindo passageiros e pedestres, esse índice chega a 82,5% de homens e 17,5% de mulheres.
Doideira né? Não acredito que esses números tenham mudado muito nos últimos tempos. Não é pra menos, somos criados para sermos mais rápidos, fortes, corajosos, vencedores, chegar na frente… Mas muito disso tá levando a gente a chegar primeiro no cemitério.
Diante de uma masculinidade muito frágil, em geral, os homens recusam ajuda até o ponto em que se encontram em quadros agudos de sofrimento. E muitas vezes, em casos extremos, tentam tirar a própria vida, usando nestas tentativas métodos violentos, com muito potencial letal, porque aprendem que não podem falhar nunca.
Felipe Baére e Karen Scavacini
Assumir que tá mal costuma ser visto como sinal de fraqueza porque a gente tem que ser forte, rápido e blablabla. Eu como alguém que já vivi o fundo do poço da depressão e tentei cavar mais, posso afirmar com absoluta certeza que essa doença toda é real e lidar com toda uma persona construída a ferro e fogo durante tanto tempo e tentar se livrar dela dá MUITO trabalho.
O Brasil teve mais de 147 mil suicídios entre 2011 e 2022, o que representa uma alta de 3,7% na taxa de suicídio no período. O país também apresentou um aumento de 21,1% no número de automutilações, que cresceram 9 vezes no período analisado.
Na população geral, o suicídio foi quatro vezes mais frequente em homens do que em mulheres, embora as notificações tenham sido duas vezes mais comuns em pessoas do sexo feminino. Homens de 25 a 59 anos são os que mais cometem suicídio no país.
Fonte: BRASIL TEM AUMENTO NAS TAXAS DE SUICÍDIO E AUTOMUTILAÇÃO
Pesado né? Eu só trabalho com números. Ser homem parece fácil quando comparada a realidade das mulheres e é. Mas veja que bizarro é um mundo onde, independente do gênero, ou alguém tenta te derrubar ou você mesmo tenta fazer isso.
Amigos, peçam ajuda, não sofram só. Não temos que ser mais rápidos, mais fortes ou sei lá o que mais que ninguém. A gente tem que viver nossa vida pra empregar o esforço necessário pra ter paz na cabeça.
E quando alguém der seta na sua frente, dê passagem. Nem tudo precisa virar uma competição.
Precisa de ajuda ou conhece alguém que esteja procurando apoio? Veja a lista abaixo:
CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde);
UPA 24H, SAMU 192, Pronto Socorro; Hospitais;
Centro de Valorização da Vida – 188 (ligação gratuita).
E como homens, nós temos que ter uma opinião vencedora. Ah, ficar calados também foi algo que não nos foi ensinado, exceto quando se relaciona a autoridades.
Mas se não for autoridade, você tem direito adquirido de falar qualquer tipo de boçalidade que quiser, né? Afinal, você é homem e sabe das coisas.
Um dos grandes motivos de eu tirar meus textos mais pessoais do Linkedisney foram as interações malucas que tive por parte de homens (completos desconhecidos). Gente que ou acha que sabe mais do que eu, ou tem certeza que sabe mais do que eu, ou nem leu o que eu escrevi mas quer dar sua opinião mesmo assim.
Amigo, ficar calado gasta tão pouca energia. Ficar procurando briga com desconhecido na internet pra ficar satisfazendo o ego masculino, já que hoje em dia a gente não vai mais pra guerras morrer aos 22 anos de idade com uma espada ou uma lança atravessando nosso corpo. Então a gente faz nossa própria guerra.
Tem uma passagem de Clube da Luta (o filme) que acho espetacular:
Nós somos os filhos do meio da história, sem propósito ou lugar. Não tivemos Grande Guerra, não tivemos Grande Depressão. Nossa grande guerra é a guerra espiritual, nossa grande depressão é a nossa vida. Fomos criados pela televisão para acreditar que um dia seríamos ricos, estrelas de cinema. Mas não seremos. E estamos aos poucos aprendendo isso. E estamos muito , muito revoltados.
- Tyler Durden
Parece que hoje que estamos tão sem propósito, muitos buscam encontrar seu propósito em fazer um desconhecido se sentir pior. Mas fica parecendo que é uma necessidade de se sentir melhor vendo o outro pior, não por ser melhor por conta própria. E esse tipo de coisa não tem lastro, é um veneno que te consome lentamente.
Você tem uma classe de mulheres e homens jovens e fortes que estão dispostos a dar a vida por alguma coisa. A publicidade persegue essa gente com carros e roupas desnecessários. As gerações vêm trabalhando em empregos que odeiam, comprando o que não têm a menor necessidade.
- Tyler Durden
Clube da Luta é até hoje meu livro e filme preferido. Aqui eu trago mais uma provocação: se você entendeu apenas como um filme sobre homens trocando soco, você entendeu tudo errado, melhore. É uma grande apologia a anarquia, ao desprendimento de padrões e conceitos de sucesso que nos foram inseridos durante a nossa educação. Tudo que nos adoece mentalmente é uma busca implacável por coisas materiais, por aparência, por status, por ser para sociedade o que tanto disseram que esperam de nós quando somos adultos. Cheguei aos 35 anos e percebi que não tem nada aqui de seguro esperando. É tudo cinzento e nebuloso, como a vida é. Não existe certeza além da entropia. E se você não conhece a palavra do Clube da Luta, leia ou assista, ambos valem a pena. Mas o livro é mais visceral, recomendo pra quem tá com tempo.
E isso me leva pra minha última reflexão: o que acreditamos que devemos ser? Nossos heróis do passado estão virando pó aos poucos, nossos modelos do que ser, falar, vestir e agir cada dia que passa parecem não fazer mais muito sentido. O culto ao corpo que se criou na segunda metade da década de 90 e início dos anos 2000 criou uma legião de pessoas quase ciborgues, só que com partes artificiais e reformadas não para tornar o corpo mais funcional, mas para agradar quem nos vê.
Mas a gente quer mesmo agradar quem nos vê?
E quem nos vê realmente liga pra gente ou só tem prazer de julgar?
De querer fazer a gente se sentir pior para que se sintam melhores?
Eu percebo que os valores que a minha geração cresceu acreditando se mostraram grandes ilusões. Ilusões que consumiram anos da nossa vida e boa parte da nossa saúde mental. O sonho da casa própria, ter carro do ano, barriga tanquinho, seios siliconados, cabelo sempre bonito, dentes brancos impecáveis, um parceiro ou parceira que parece astro de cinema. Tudo isso enquanto o nosso mundo caminha para um caos econômico, inflação comendo o poder de compra ano após ano dos meros mortais e tendo que trabalhar pra caramba para mal pagar as contas.
Guerras sem sentido, povos divididos sob um mesmo território, seres da mesma espécie segregando os iguais…
Como dá pra ser essa perfeição que disseram que a gente seria?
Deixei você mal com o que escrevi? Se você não tá ciente disso tudo, você tá vivendo na Matrix e que inveja de você, eu queria estar também. Teria me economizado um monte de psiquiatra, terapia e remédios.
Mas nem tudo está perdido, acredito fortemente que temos um papel importante. Sendo a geração da grande ilusão, devemos mostrar a realidade pra quem tá assumindo as rédeas desse mundo doido após a gente, rédeas que a gente nem sabe controlar direito.
Devemos encontrar nosso chão, voltar a ter contato com a humanidade dentro de nós e não com as coisas que disseram que a gente deveria ter (e ser). Sermos nós de verdade, abandonar as personas e viver como faz bem a nós e construir relações baseadas na pessoa de verdade.
Acho que o grande ato de rebeldia tardio que os milennials podem fazer é quebrar esse moedor de carne humana que criaram, que jogam os iludidos pra dentro sem nem saber onde estão se metendo.
Um bom dia pra você. Porque sempre é dia em algum lugar.
Abraço!
escrevi este texto sob influência da cantiga abaixo
antes de ir
📖 faça um favor a você mesmo e vá ler Clube da Luta do Chuck Palahnuik
🎸 esta semana reescutei o The Resistance do Muse, uma obra de arte, deixo essa recomendação de sonzera maneira
🚗 qualquer coisa que eu escrever referente a automóveis vai ser com muito ódio, odeio dirigir
Recados finais:
#1 - Oficialmente vou lançar novas edições deste lixo aos sábados. Se é pra ser além da persona profissional, não vou obrigar ninguém a ler no horário de trabalho se não quiser.
# 2 - Como você pode ter observado, os assuntos aqui são bem variados mas levemente (ou fortemente) conectados. Não tenho padrão aqui, minhas ideias surgem sem sentido e conexão, muitas delas eu perco por não anotar, vou tentar melhorar isso.
#3 - Pretendo criar uma edição voltada só para tecnologia, mas não vai ser neste lugar. Talvez eu faça lá pelo Linkedisney mesmo, fiquem ligados se for do interesse.
Obrigado por me ler. Escrever isto aqui é bem terapêutico pra mim. Se quiser continuar acompanhando, só apertar aqui emabaixo!
Perfeita a sua descrição sobre a masculinidade tóxica e sobre como formamos os homens! Um dia em um almoço de trabalho, um colega que já havia sido do exército, me falou algo que eu nunca esqueci: “o homem antropologicamente foi feito para a guerra, a nossa sociedade subverteu isso nos nossos tempos”. Nossas lutas são insuficientes para abraçar todos que nasceram com o genoma da guerra e essa agressividade precisa se materializar de alguma forma (infelizmente, hoje é o hater da rede social ou o espalhador de fake News com seus políticos de estimação). É um desafio enorme subverter tudo isso, mas nos mães e pais de meninos, não podemos desistir! Continue com a newsletter! Vai ser show!
Que texto verdadeiro, profundo e necessário. Parabéns Daniel, e muito obrigado por compartilha-lo. E o comentário da Joyce complementa perfeitamente.
Lembrei do que falava Akal Mureth Singh, meu mestre de kundalini yoga que hoje mora em Florianópolis, sobre a agressividade e a violência.
A-gressivo significa ir pra frente. É o contrário de re-gressivo. A agressividade é o instinto de sobrevivência que leva o bebê a chupar o seio da mãe. Nesse sentido, a agressividade é natural e necessária. É o impulso de vida que nos leva a agir no mundo.
A violência, por outro lado, surge do medo. O medo gera raiva e esta leva à violência, que é o impulso a-gressivo mal resolvido.
Seria muito bom conversar com vocês pessoalmente sobre isso tudo, mas por enquanto vamos continuar como desconhecidos na Internet, como diz o Daniel com bela ironia nesse trecho impecável do linkedisney.